quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Tola

Eu quero um amor que não seja
fogo que arde
e se sinta,
quero um amor que veja,
(apesar do que dizem);
eu quero um amor não-cego.
Eu quero um amor sem provas de amor,
sem almas gêmeas,
sem definição,
que não seja maior que o mar,
que caiba no coração.
Quero um amor condicional,
de algum verbo transitivo,
um amor com
cartas, filmes, canções
lógicos,
em que dois não sejam um só,
dois-amores,
queijo e goiabada
arroz com feijão,
não.
Eu quero um amor sem declaração
que não seja à primeira ou enésina vista,
pra toda vida,
ou pós-morte.
Um que não me faça loucuras por amor;
que não me faça morrer de amor.
Aquele que o poeta não escreve
e que os tolos desconhecem...

Eu quero um amor
que não sofra por amor.

sábado, 25 de setembro de 2010

Ich denke nicht an dich...

Ich kann nicht an dich denken.
Von die fertige Fahrt, die mein Kopf verlassen hat,
kann ich mich nur an die Mond erinnern
und an dem Wind
und an der Nacht.

In meine täglich gedanken stehst du nicht
du bist mehr als täglich für mich.
Ich setze mich unter den Bäumen
und denke an dem Wetter.
"Von dir kann ich nur träumen..."

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Antes de dormir II

Fico no quarto com meu leitor fantasma,
almas penadas na madrugada gelada.
Imóvel escondendo-me da luz da lua,
rasgo a sétima vida do poema que acaba de morrer.
Sinto o toque tranqüilo do sopro frio da noite,
um arrepio na pele me percorre a coluna toda;
alguém puxa meus pés e desliso pra dentro da cama,
toca-me o fantasma nas pernas e meu grito vem sufocante...
(deixo a caneta escorregar da mão para o tapete)
-Amor, chega dessas poesias mórbidas e vamos dormir.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Ponto de vista

Jogado numa cadeira cara,
de couro e elegante,
olhava a parede branca
"que ironia",
assim como ela
era sua vida rasa, dura, medíocre,
vazia.

Sentado num barco velho,
de vela e desconfortável,
olhava no horizonte o mar
"que sorte a minha"
cercado por todos os lados,
tinha o brilho inteiro do sol no olhar.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Antes de dormir

"Hoje quando chegar quero que o sol tenha chegado antes;
largar meus sonhos em cima da cama enquanto me lembro da lua."
Sentei no pára-peito da janela e começei a sonhar...
Ficou aquele ponto final de poeta
entalado na garganta
da poesia que não quis sair;
Abri as janelas da alma
e a vista não me era espetacular.
Fui dormir.

sábado, 18 de setembro de 2010

Eram mil espinhos na beirada da cama
(das mil e uma rosas que esqueceram de chegar)
E eu ali - de escudo, cobertor
via pelas frestas um exército
de soldados ou baratas
perto do guarda-roupa - não pra me guardar.
Eu ouvia os gritos da nosssa música que morreu com o vento,
do amor que acabou com o tempo,
dos monstros escondidos no armário,
dos escudos de um batalhão.

Naquela noite te perder:
meu pior bicho papão.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Ela e a poesia tola (dela) II

Pra mim ela pensa pequeno,
perto do chão.
Pega os pedaços, pinta umas cores, põe uns pingos,
despeja umas flores,
embrulha pra presente e sai na rua pra vender.
Vai ver,
ela verbeia como a criança
que descobre hoje a perguntar,
deixa as frases longas pra pairar, pausar. Vagar.
Pra prosear numa poesia pouca,
deixa com ela,
deixa que ela,
agarre-se na ponta de um barbante pra puxar o mundo,
enquanto dá voltas e mais pra contorná-lo,
voltas e meias para consegui-lo.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Inércia da gente

Senti-me como se todos os seus beijos tivessem roubado as palavras dos meus lábios. Foi como se tivéssemos tomado sorvete à luz de velas, sopa com garfos, sushis sem palitos e burritos sem pratos. Pensei que aquele inverno congelara todos nossos passos; viráramos duas figuras no quadro de um Picasso, deixando pelas janelas a lua cheia naquela noite minguante entrar no nosso quarto. Parecia que o abraço vinha só do seu casaco, que as fotografias da praia nos porta-retratos eram lápides na estante de cupins e de livros pesados.

Tentei me ajeitar no travesseiro, cantarolar uma canção, virar o copo inteiro, pegar na sua mão, mas era como se as cinzas da lareira tornassem tudo pedras; procurei por suas pernas mas também não encontrei. Só o que pude ver foi a sombra dos seus cílios se movendo como asas no tempo periódico, no qual me perdi pensando em nada pra não ter que te dizer. Era como se o seu toque me tirasse o tato; seu perfume, meu olfato; sua razão, meu sentido; seu corpo, minha libido; fechei os olhos pra me entregar naquela inércia sem falas e sem rostos, te deixando só o apagar das luzes e dos nossos sonhos.